flaubert

amanhã vou estar estendido ao sol pelas areias de ouro francesas rias de muros (doces imprevistos). E já levo madame de casa.

mercedes

O mercedes é o melhor sítio para ver um concerto no porto. Uma espécie de hardclub versão de sala de estar. Mais intimista, mais pessoalista, mais secreto. Há um sempre um canto naquele exíguo espaço com o formato exacto do teu corpo. Praticamente encostados á respiração do artista. Coloquial. A decadência da noite na ribeira só lhe tem trazido charme.

everybodys waiting

waiting for death
like a cat
that will jump on the
bed
[..]

coisas de família

Hoje o peixeiro chamou-me á sua pequena motorizada garantindo que tinha algo especial. Na celha de plástico repousavam três pescadas enormes, gordas e com os olhos arregalados
     a frescura do peixe vê-se nas guelras vês o sangue quer dizer frescura
Perdia-me a ver o meu avô cozinhar. O à-vontade com que amanhava os peixes tacteando anatomias de cór
     como é que conheces os peixes todos vô, lembra-te tu és de uma família de pescadores.
O aroma dos cominhos e a purpura do colorau. o vinho. Uma explosão quase saturada de sabor e gordura
     tu havias de os vêr na marinha toda a gente gostava e o teu avô sempre soube cozinhar tão bem
Mexer nos ingredientes sem escrúpulos que não fossem o prazer da cozinha e de comer com os outros. Um verde para compôr a travessa e a antecipação do pão sobre o molho. E no fim comer com a boca, com os olhos e com a alma. Estava óptimo.

uma soma agreste



Era um redondo vocábulo
Uma soma agreste
Revelavam-se ondas
Em maninhos dedos
Polpas seus cabelos
Resíduos de lar
Pelos degraus de Laura
A tinta caía
No móvel vazio
Convocando farpas
Chamando o telefone
Matando baratas
A fúria crescia
Clamando vingança
Nos degraus de Laura
No quarto das danças
Na rua os meninos
Brincavam e Laura
Na sala de espera
Inda o ar educa

zeca afonso. 1973 . prisão de caxias.

ler

ler ao deitar. adormecer com as palavras e as personagens. extenuar-me não sei no quê. o esgotamento ao acordar revela a violência dos sonhos.

o timing da coisa


Gosto muito do algarve por razões que são óbvias e comuns a toda a gente e por outras que são mais pessoais. Gosto especialmente de vê-lo florido e de praias como esta mas sem multidões de banhistas enfurecidos ou vips em casting. Gosto deste azul e de sentir uma pausa que me faz pensar que a melhor época para estar no algarve é conseguir tirar uma foto mais ou menos assim.

cosmocosmética

Uma ida a uma feira de produtos de beleza pode ser uma coisa muito instrutiva. Existe um mundo de pessoas que se preocupam muito e seriamente em serem bonitas. Muito mais do que em serem interessantes, inteligentes ou solidárias. Mas não o fazem por causa do seu juízo sobre as coisas.
É pelo nosso.

e

até o ridículo pode ser ternurento quando as pessoas transformam um gesto simples e prático numa coisa sensual. De cultura. É inequivoco que todos tentam suprir a passagem do tempo e a perenidade através da criação. O detalhe,  a artificialidade e a delicadeza do gesto são também criações humanas para além do essencial. Além do útil. Para além da natureza e da dor.

faulkner

É hoje que vou lêr faulkner fodasse.

bukowski

Este poema demonstra na perfeição o estilo de charles bukowski: fatalista, cru, certeiro e maravilhosamente bem escrito. A tradução é minha pois não o encontrei em português, mas vale a pena ler este autor no original acreditem.
_alone with everybody
A carne cobre o osso
e colocam uma mente
ali dentro e
às vezes uma alma,
e as mulheres partem
vasos contra as paredes,
os homens bebem
demasiado
e ninguem encontra
aquela pessoa
mas continuam
a procurar
rastejando dentro e fora
de camas.
Carne cobre
o osso e a
carne procura
por mais do que
carne

Não há chance
nenhuma
todos estamos presos
por um destino
singular.

Ninguém encontra nunca
aquela pessoa.

os esgotos enchem
as sucatas enchem
os hospicios enchem
os hospitais enchem
os cemitérios enchem

nada mais
se preenche.

Charles Bukowski