new years have nothing to do with it

_air and light and time and space

"-you know, I’ve either had a family, a job, something
has always been in the
way
but now
I’ve sold my house, I’ve found this
place, a large studio, you should see the space and
the light.
For the first time in my life I’m going to have a place and the time to
create.”

No baby, if you’re going to create
you’re going to create whether you work
16 hours a day in a coal mine
or
you’re going to create in a small room with 3 children
while you’re on
welfare,
you’re going to create with part of your mind and your
body blown
away,
you’re going to create blind
crippled
demented,
you’re going to create with a cat crawling up your
back while
the whole city trembles in earthquake, bombardment,
flood and fire.

Baby, air and light and time and space
have nothing to do with it
and don’t create anything
except maybe a longer life to find
new excuses
for.

_charles bukowski

noticias verdadeiramente boas de 2009

as camisas de pescador estão de volta.
hoje encontrei-me com uns papeis do médico da minha avó. está tudo lá, os sintomas, as análises, a terapêutica. É muito diferente de ler um epitáfio ou olhar para uma foto dela. Falam dos segundos, das entrelinhas e do despero, como se emudecessem tudo o resto. Surpreendentemente continham mais vida, mais dor.

woods

O essencial do caso tiger woods nao é de todo surpreendente se considerarmos que ele é o atleta mais rico do mundo. ter muitas amantes. a vontade do publico de o julgar.

helmut newton

self portrait

noticias do mundo

A polícia egípcia registou meio milhar de abusos sexuais no Cairo durante as recentes festividades religiosas do Eid al Adha

Parece que na Suiça, como medida profilática contra o terrorismo e os maus tratos às mulheres, os muçulmanos não vão poder construir torres altas.

fungos


As chuvadas de outono ensopam a terra, criam o húmus e proporcionam o aparecimento dos fungos mais saborosos do mundo. Não as trufas, apreciadas por ricos e porcos (por vezes simultaneamente)mas as frutificações que dão pelo nome de cogumelos. Agora vou-vos dizer um dos segredos mais bem guardados do universo, os cogumelos de lata, consumidos às toneladas, pré cozidos e calibrados não sabem a cogumelos! por essa razão, o mundo dos cogumelos silvestres é esse hobbie tão empolgante na busca e erudito no sabor. Razões mais do que suficientes para desistir desde já desse tipo de actividades viciantes. No entanto, abro uma excepção significativa graças à coragem de terceiro(a)s para o fabuloso Macrolepiota procera vulgo tortulho ou frade. Grelhado, assado, estufado ou frito as possibilidades são infinitas desde que se esteja vivo no Outono. Mas há um senão e ficam desde já avisados, para ter cuidado com os tóxicos Chlorophyllum molybdites, o Lepiota brunneo-incarnata ou mesmo o Chlorophyllum rhacodes, todos parecidíssimos e unidos subrepticiamente em prol da conspiração dos congéneres de lata.

punchline

hoje sonhei que escrevia um poema. era bem estruturado, tinha uma ideia subjacente e um punchline formidável. lembro-me de gostar bastante dele e de até sonhar que o ia anotar mais tarde. é um tipo de sonho, confesso, inédito e inesperado mas de manhã nada havia para escrever, para olhar ou tocar. soçobrava apenas uma lembrança difusa, um sabor. recordou-me das pessoas que também apenas ficam em sonhos, como poemas perfeitos que não existem.

enlarge your menir

a tecnologia como sabemos nos últimos 30 mil anos mudou radicalmente a forma como o ser humano se relaciona com a natureza, com os outros e como não poderia deixar de ser, connosco mesmos. Agora por exemplo as inseguranças mais profundas do homosapiens são servidas via e-mail com possíbilidade de compra e cartão de crédito. Uma rápida visita à spambox é também uma um tour guiado á psique humana ou porque não dize-lo ao mais fundo da gruta, do refugio humano onde pela primeira vez se materializaram os sonhos e os medos humanos! Na verdade fazem as pinturas pré-históricas de altamira ou lascaux de uma sofisticação notável. Está lá tudo, a masculinidade, o desejo de agradar, a fertilidade e a morte.

lanches compostos

dois pães frescos com manteiga e um belo poema da minês castanheira.
Ainda ontem fomos imensas coisas.
Tu e eu.
Um comboio a rasgar paisagens.
Um gigante de rosto caído contra a terra macia. As mãos acesas sobre as pontas molhadas das folhas. E braços longos ao nível do chão, tábuas a fazer o caminho inverso sobre o rio.
Ainda ontem fomos imensas coisas. Um comboio em força entre as paisagens.
Um inter-cidades.
dias frios e humidos, sombrios quase desertos. São dias étereos, despojados. Perfeitos, quase perfeitos.
O calor e a vida repousam nos olhares e espalhamos centelhas em trilhos que percorremos. É facil apaixonar-nos num dia assim.

caím

Saramago não gosta da igreja por causa do episódio do "envangelho segundo Jesus Cristo". A igreja não suporta que se critique a Bíblia pois tem uma espécie de direito divino de interpretação. A direita detesta Saramago por ele ser um nobel comunista com posições públicas. Os portugueses ficam um pouco entre isto e aquilo conforme a orientação e ignorância. Tanto a Bíblia como o livro ficam praticamente de fora. O paroxismo não esconde o vazio de ódios novos e antigos. Todos os ingredientes para um acontecimento algo triste, insultos e radicalizações á mistura.

Lá fora a chuva cai e arrasta as folhas que caíram das árvores, também os dias arrastarão este episódio para o esquecimento. O tempo está cinzento e tudo parece ter a mesma ínfima importância.

autarcias

As eleições tem coisas boas como más, mas acima de tudo clarificadoras pese o ambiente quase irrespirável de facciosidade. Ora cada vez me convenço mais que o o cheiro não está somente nos protagonistas, também emana do argumento! A governação hoje em dia tornou-se um fim em si mesmo, ou seja uma pessoa governa para governar e acima de tudo para poder governar mais. Inaugurações e obras maciças antes das eleições são apenas um pequeno sintoma. Os insultos pessoais, défices escândalo, o culto da personalidade e as promessas estapafurdias resolvem o resto das dúvidas: Os autarcas (ou candidatos) tem uma agenda própria independente do acto de gerir uma autarquia e que consiste muito sucintamente em ganha-la.

doces fins de verão


trazem-nos a calma de saborear algumas coisas que parecem constantemente perder-se. aplacam as urgências.

o eterno retorno

nunca me senti tão culpado de colocar uma cruzinha numa folha de papel. Olhando para a lista com um pouco de atenção não há como não ver um menu do grotesco, sentir que apenas nos estão a discriminar uma lista de problemas que gostariamos de ter. E que nos pedem a assinatura para esta encenação. Malditos sejam pela escolha que nos colocam, entre a demissão e a cumplicidade, entre o autismo e a comédia.

senilidade II

É no centro da cidade que o preço da terra adquire os seus máximos. Porque é bom e muito cómodo viver no centro as coisas naturalmente tornam-se mais valiosas. Sendo assim é um bem apenas acessível aos mais abastados. Lógicamente é onde se vive menos actualmente. As casas estão abandonadas e a cidade de noite torna-se um corpo fantasma. Não há ricos em número ou vontade suficiente para encher os centros. Os proprietarios esperam pacientemente por melhores dias.

senilidade

A população está estável como se sabe, ou mesmo regressiva. Mas não se pára de construir, construir, furiosamente como se a vida de alguém dependesse disso (e algumas dependem). Constroem-se prédios enormes com pisos sobrepostos porque como se sabe a terra é um bem essencial e o mais caro de todos e não está garantida para qualquer um. E depois as pessoas admiram-se de que ha muitas casas abandonadas e os centros estão desertos. a inevitabilidade ainda admira. Há pessoas que hipotecam a vida a comprar uma habitação e convivem paredes meias com bairros desocupados. Tudo é revolvido como se não houvesse espaço algum que tenha o direito de escapar á presença humana. É uma mancha habitacional com dinâmica própria, que se desloca com ritmos ondulantes pelos mapas do google earth em fastfoward, como um fogo cinzento.

tesouros

se há arqueólogos a escavar é porque há tesouros.
O que quase nunca há é um cartaz explicativo, uma planta do sítio, uma declaração de intenções, um guia interpretativo. Quase nunca há algo ou alguém que elucide quem passa ou quem por lá mora do que é que ali se faz, e porque é que se está ali, a “empatar a obra”, a “abrir mais buracos na estrada”, a “estragar os caboucos dos prédios vizinhos”, a “espatifar o dinheiro da Cambra” a abrir buracos que ninguém percebe para que são, se nem moedas de lá saem, quanto mais barras de prata ou sarcófagos em ouro, só cacos velhos e ossos queimados que uns maluquinhos guardam religiosamente em sacos, como se não tivessem algo mais importante que fazer.

Afinal, para quem escavamos nós?

Escavamos para nós ou para a comunidade na qual nos inserimos - bairro, freguesia, concelho, distrito, país? Escrevemos nós (quando escrevemos) para os nossos pares ou para o público em geral? Para que se faz arqueologia em Portugal e para quem? Será irrelevante esta questão?

Paulo Alexandre Monteiro

Lacrimae rerum

Eneias chega a cartago e encontra pintadas num mural de um templo cenas da destruição de troia, a sua troia e a sua dor ali retratadas.
- sunt lacrimae rerum et mentem mortalia tangunt - diz
Virgílio formula nesse momento uma das mais epitomaticas frases da eneida.

Existem várias traduções e honestamente as melhores são as menos literais, sendo a mais famosa talvez a de robert fagles:
"(Even here), the world is a world of tears, and the burdens of mortality touch the heart"
Aqui em português por luís cerqueira:
"(Estão aqui também)[...] as lágrimas pela sorte dos homens, e a efemeridade da vida impressiona o espírito."

as "lagrimas das coisas", o "tears for things" é a consciencia da condição humana que nos atravessa a todos, a compreensão (empatia?) pela tragédia do outro, que nos alcança enquanto homens também. Reconhecer a miséria, a fatalidade, (a fatalidade da miséria?) presentes em indivíduos ou comunidades que nos são estranhas é uma forma (e testemunho) de comprovarmos a nossa ligação ao género e de nos assumirmos como seres completos, sem complexos.

sábados à noite em casa

Roger Thornhill: The moment I meet an attractive woman, I have to start pretending I have no desire to make love to her.
Eve Kendall: What makes you think you have to conceal it?
Roger Thornhill: She might find the idea objectionable.
Eve Kendall: Then again, she might not.

igrejas enfeitam-se e a faixa esquerda das auto-estradas congestiona.

Os emigrantes são como rudes convivas em sua própria casa./ como pássaros com o peso do esterco nas asas./ atraiçoados pelo sotaque, pelos escapes potentes e pelo calão quando se enervam./ empurram, esbracejam, a urgência de ser notado, de ser/ talvez apenas existam brevemente e não é por mal, é o tempo./ Ao contrário de nós eles apenas têm um mês para serem portugueses./
E assim não é fácil ser-se comedido.
vida, o que é a vida? e acima de tudo a praxis. Como é que se vive? Arranjem-me uma formula perfeita por favor. Será fazer os mesmos erros uma e outra vez numa cadência infinita de vidas, uma sucessão eterna de interrogações? como? como? como? pensa. o meu avô tinha uma vida e há coisas que os homens prezam e também aquilo que nos faz sentir bem. será isso? Olho para as vidas dos outros e não obtenho nenhuma resposta. E sinto a minha própria tão pequena e circunspecta. sem vontade sequer de dizer foda-se para isso enquanto tudo o mais forem simplesmente questões. hoje a paz da incerteza é apenas um copo bem cheio.

rabbits

"What is a country without rabbits and partridges? They are among the most simple and indigenous animal products; ancient and venerable families known to antiquity as to modern times; of the very hue and substance of Nature, nearest allied to leaves and to the ground."- thoreau
uma boa notícia para o meu país, ontem vi duas lebres aqui pertinho de casa. Pensava que já não existiam por estas paragens e foi com estupefacção mútua que vi um casal quieto a olhar para mim. Tão fugazes e palpitantes desapareceram num ápice em pequenos saltos. Frágeis como aquele momento.

concerto endings

“Maybe this is how your concerto ends, I mean, not a big end, with trumpets and violin. Maybe this is the finish. Just like that. Not sad, not happy, just a small room, a lamp, a bed, a child sleeping and tons of loneliness.”

já foste

Uma demissão de um ministro ainda para mais consensual é sempre razão para uma pequena reflexão. Acima de tudo porque é demonstrativo de como as coisas funcionam. E é mais ou menos assim: existe um lugar chamado parlamento onde uma série de pessoas que disputam o poder divergem entre si. O seu mester é ridicularizar, insinuar, insultar e gracejar as opiniões de todos os outros e naturalmente quem é especialmente vocacionado para este tipo de peleja oratória é promovido a porta voz do grupo. Levar um dos parlamentares a perder as estribeiras é o considerado KO técnico, e motivo de grande regozijo. É que neste sistema é a única maneira de legitimamente afastar alguém da acção governativa. A acção governativa propriamente dita é outra coisa. É inabalável. Mesmo que toda a gente seja contra, porque os governantes recebem um mandato de 4 anos para fazerem o que lhes apetece. A isto chama-se "democracia parlamentar". Subtraída a governação (como já vimos muito pouco democrática), resta-nos a inconsequência do dito parlamento em que os governantes tem de ouvir das boas. Isto dá-nos uma saudável sensação de pluralidade e acima de tudo da vox populi. É nesse jogo que acontece a democracia ocidental propriamente dita. Os restantes jogadores aceitam este tipo de jogo conquanto se especializaram nela e lhes garante o acesso ao poder mais ou menos rotativamente. Para que possamos nos indignar (divertir?) diariamente os serviços de comunicação seleccionam-nos todos os dias as partes mais picantes.

spam

uma visita á pasta de spam do correio electrónico é também uma visita à psique mais profunda do ser humano. Dá até para imaginar que se comunica através do spam e quase sempre na primeira pessoa. O medo, o sexo, o dinheiro e as perversões, está tudo lá. Umas mais sedutoras que outras como pequenos demónios que se pousam no nosso ombro. O facto de ser através de um computador e não no escuro de uma caverna coloca as coisas ainda mais em perspectiva. tudo incrivelmente cómico. tudo esmagadoramente sério.

estar actualizado

Hoje sentei-me a ver as noticias. No jornal da tarde, depois de tentar aterrorizar-me durante meia hora, o pivot despede-se de mim com um sorriso franco nos lábios e desejos de "um bom resto de fim de semana".

um país medieval

a profusão quase excêntrica de feiras medievais pelo país vem apenas confirmar a opinião mais pessimista sobre a nossa cultura: O aproveitamento cultural pimba só tem paralelo no gosto português para a festarola de sandes de porco. Orfãos de eventos mobilizadores e de confraternização nas grandes cidades, perdidos de uma identidade cultural que não é assumida ou estimulada, a populaça adere a este tipo de eventos "temáticos" como um oásis no deserto. As autarquias rejubilam em coro com as suiniculturas e as cervejeiras. Durante todo o ano continua a lenta e progressiva destruição do património.

epílogos

um vizinho teve a ideia genial de colocar um sapo num pequeno lago que conserva no jardim. talvez para lhe conferir alguma propriedade mais telúrica ou simplesmente para que toda a gente saiba que está ali. É que o sapo passou as últimas semanas num coaxar nocturno e vigoroso. É normal nesta época do ano e num lago a sério os chamamentos individuais sobrepõem-se uns aos outros formando uma música de fundo quase sinfónica. Curiosamente um pequeno espécime apenas parece ter a capacidade de ser bastante mais ruidoso. De nos fazer notar a peculiaridade do som. hoje no entanto estava diferente, urrante, quase gutural. Talvez ele esteja a par do que se está a suceder, talvez o sinta. A primavera terminou e estes dias são a sua última chance. já não mais é um som irritante para ser algo que dá pena como os epílogos das coisas a que nos habituamos mesmo que não gostemos muito delas. Talvez estas coisas são como os dias e tenham um tom e uma intensidade próprias com notas que se repetem. a vida como melodia.

dias

há dias que são assim que resgatam um pouco do sentimento de descoberta e do sabor que as coisas tem quando tudo é novo e tão simples. os trilhos estreitos e todo aquele verde que nos entra pelos olhos os arranhões nas pernas e o fresco da agua o translúcido da agua e ficar a olhar para uma cascata e o rio que serpenteia por entre vales estreitíssimos para onde ele vai tudo ali tem um destino. É mais fácil sentir-nos em paz com o mundo desta forma e eu não sei explicar porquê mas acontece. há dias que são assim e não necessitam de mais nada.

depois

(thomas cole 1838)
depois de subir ao monte mais alto de toda a cercania e ver aquela paisagem maravilhosa lá de cima onde tudo ganha uma inusitada realidade como se estivéssemos mais próximos dos deuses e o vento que nos sopra na face e traz consigo todos os sons como ecos, como lembranças e o silêncio que invade os poros, apropria-se do teu corpo como uma estranha calma e todas aquelas tílias que povoam o topo perfumam o ar inebriando e tudo de repente faz um sentido do qual espreitas o mundo. sabemos que aquele lugar antes daquela capela já foi venerado por tantos outros homens e é como se os sentidos se privassem ao confuso do mundo físico e parece que por um segundo há algo inatingível que nos é facultado compreender e ficamos com vontade de sermos também crentes pelo menos durante uns minutos.

quase perfeito

até consigo entender porque é que existem tantos PIN's projectados para o noroeste alentejano. Porque é que há vontade tanta vontade de construir, de betanizar de troizar de estruturar, no fundo de mudar, uma coisa que está quase perfeita apenas como está. Também por amor. talvez tanto como todos os outros. mas apenas porque a beleza sem utilidade é incompreensível para a grande parte do nosso país.

2

concretizar qualquer coisa seria para ele uma tarefa absolutamente impossível. por isso nem sequer pensava nisso. Bolas! - disse ele. pensei nisso.
Para além do facto de se ter contrariado quase imediatamente, o próprio pensamento era per se uma realização: a consciência da sua incapacidade. Esta tripla humilhação naturalmente deixou-o bastante aborrecido para o resto do dia.

1

o vento atravessa pinheiros
os eucaliptos e os sobreiros
quando chega à areia já vem
perfumado a vida e a terra
e ali se encontra com o sal
e com a luz
deitado na areia passando
grãos pelos meus dedos
imagino que as memórias de
verão mesmo as inventadas
devem ser todas assim

momento dumb do ano

um grande escaldão.

dias especialmente agradáveis

a estrada da figueira até à nazaré. o dourado das areias que se dobram sobre o verde selvagem. km de praias completamente desertas. o isolamento e a solidão dos locais que tocam em nós quando tocamos neles. o sítio e s. pedro de moel. a sensação de liberdade.

a tal "decalage civilizacional"

não é uma noção nova mas pouquíssimas vezes pensamos nela. a de que o grau de desenvolvimento de um país possa ser exprimido através da cultura rodoviária. quando ouço relatos do tráfego em marrocos ou na indonésia penso nisso. quando leio que em algum país nórdico se abandonou o carro em prol da bicicleta penso nisso. quando constato que portugal é o país na europa com maior densidade de auto-estradas fico sem saber o que pensar.

façam lá as rotundas

finalmente lancei o irs este ano

modos de vida

Estava a ouvir um programa radiofónico sobre actualidades cujos dois primeiros participantes terminaram a sua intervenção com elogios a salazar. Ao telefone, não sem grande esforço de articular uma frase entre duas ou três ideias feitas vociferam contra tudo, esforçam-se em encontrar culpados, atacam as mais diversas profissões, corporações, vocações e faixas etárias. O programa, as participações o teor e os panegíricos, os culpados e os inocentes, o aproveitamento que cada um faz dos factos, tudo faz parte desta comédia infernal. Não lhes ocorre que tipo de futuro terá um país cujo povo suspira por um ditador que morreu há mais de 30 anos. Simplesmente não.

ainda um pouco sem palavras

persona (1966) "a realidade invadindo o filme"

ainda um pouco sem palavras

(La Passion de Jeanne d'Arc)(1928)
Includes Richard Einhorn's Voices of Light, a choral and orchestral work that he was inspired to write by viewing the film.
"A rustic woman, very sincere, who was also a woman who had suffered," is how director Carl Theodor Dreyer described Joan of Arc. In his silent, black and white masterpiece of 1927, "La Passion de Jeanne d'Arc", Dreyer captured all three facets of her personality, drawing on a monumental performance from Renée Maria Falconetti

limites

quando era novo o mundo afigurava-se-lhe de uma forma completamente diferente. Tudo era percorrível e as cercas nada mais faziam que marcar lugares como tabuletas. Serviam de orientação. As pretensões de quem queria guardar o mundo pareciam-lhe inúteis, aliás, vãs e presunçosas, como se fosse possível prender os homens a tracejados imaginários para além do percurso das vontades e em especial, da curiosidade.
como tudo mudou
Não havia qualquer transição evidente. Mas agora parecia-lhe que num processo inverso se dava a restituição da propriedade a estas pessoas. Já nada lhe parecia seu ou acessível. Como se os muros e as vedações se tornassem finalmente objectos reais, encarnassem alguma intrínseca função. Via as faces das pessoas, desconfiadas e grosseiras e apenas a estrada lhe parecia tímidamente sua por direito, cercada por rostos opacos, por sentimentos ambigúos. Sentiu-se ligeiramente oprimido naquela linha que desenhavam os seus passos.

operações delicadas

arranjar um peixe-aranha. É um peixe pouco ortodoxo mas saboroso frito.

nectar amargo

os dias já brilham até mais tarde e quando passeio os cães radia aquela luz transversal que pinta as sombras e floresce as côres. Hoje até apareceram nêsperas, redondas e alaranjadas, nectar amargo. O olhar e as vontades espraiam-se. É uma boa altura para olhar e provar os segundos mas dentro de mim fica uma certa tristeza de não me apresentar no meu melhor para tão ilustres oportunidades.

não

eu sei que haverão dias em que não teremos palavras um para o outro e os braços vão mirrar na nossa direcção os braços mirravam e o olhar pendia Sabes não é apenas o amor que diminui somos nós proprios somos nós próprios pequenos, ficavamos encapsulados naquele momento e eu não, não estou pronto, ainda tenho tanta coisa para fazer contigo quero mudar-me, quero mudar-te, quero aquela sorte e um postigo nosso ainda tenho tanta coisa para fazer contigo.

maio


Estas simpáticas plantas são os maios. Eles encarregaram-se de pintar as montanhas todas de amarelo à nossa passagem. São também objecto de uma curiosa superstição que envolve colocar maios nas portas das casas e dos carros.

imbuídos de um competitivo esoterísmo (mas pouco católicos) decidimos que ninguém no norte litoral podia ter o carro mais supersticioso que nós.

pausa

baroñaEn este instante el odio no trabaja (benedetti)

a desmedida das coisas

vêr um telejornal depois de alguns dias ausente é uma experiência quase aterradora. A sensação é de que o mundo enlouqueceu ou está por um fio.

flaubert

amanhã vou estar estendido ao sol pelas areias de ouro francesas rias de muros (doces imprevistos). E já levo madame de casa.

mercedes

O mercedes é o melhor sítio para ver um concerto no porto. Uma espécie de hardclub versão de sala de estar. Mais intimista, mais pessoalista, mais secreto. Há um sempre um canto naquele exíguo espaço com o formato exacto do teu corpo. Praticamente encostados á respiração do artista. Coloquial. A decadência da noite na ribeira só lhe tem trazido charme.

everybodys waiting

waiting for death
like a cat
that will jump on the
bed
[..]

coisas de família

Hoje o peixeiro chamou-me á sua pequena motorizada garantindo que tinha algo especial. Na celha de plástico repousavam três pescadas enormes, gordas e com os olhos arregalados
     a frescura do peixe vê-se nas guelras vês o sangue quer dizer frescura
Perdia-me a ver o meu avô cozinhar. O à-vontade com que amanhava os peixes tacteando anatomias de cór
     como é que conheces os peixes todos vô, lembra-te tu és de uma família de pescadores.
O aroma dos cominhos e a purpura do colorau. o vinho. Uma explosão quase saturada de sabor e gordura
     tu havias de os vêr na marinha toda a gente gostava e o teu avô sempre soube cozinhar tão bem
Mexer nos ingredientes sem escrúpulos que não fossem o prazer da cozinha e de comer com os outros. Um verde para compôr a travessa e a antecipação do pão sobre o molho. E no fim comer com a boca, com os olhos e com a alma. Estava óptimo.

uma soma agreste



Era um redondo vocábulo
Uma soma agreste
Revelavam-se ondas
Em maninhos dedos
Polpas seus cabelos
Resíduos de lar
Pelos degraus de Laura
A tinta caía
No móvel vazio
Convocando farpas
Chamando o telefone
Matando baratas
A fúria crescia
Clamando vingança
Nos degraus de Laura
No quarto das danças
Na rua os meninos
Brincavam e Laura
Na sala de espera
Inda o ar educa

zeca afonso. 1973 . prisão de caxias.

ler

ler ao deitar. adormecer com as palavras e as personagens. extenuar-me não sei no quê. o esgotamento ao acordar revela a violência dos sonhos.

o timing da coisa


Gosto muito do algarve por razões que são óbvias e comuns a toda a gente e por outras que são mais pessoais. Gosto especialmente de vê-lo florido e de praias como esta mas sem multidões de banhistas enfurecidos ou vips em casting. Gosto deste azul e de sentir uma pausa que me faz pensar que a melhor época para estar no algarve é conseguir tirar uma foto mais ou menos assim.

cosmocosmética

Uma ida a uma feira de produtos de beleza pode ser uma coisa muito instrutiva. Existe um mundo de pessoas que se preocupam muito e seriamente em serem bonitas. Muito mais do que em serem interessantes, inteligentes ou solidárias. Mas não o fazem por causa do seu juízo sobre as coisas.
É pelo nosso.

e

até o ridículo pode ser ternurento quando as pessoas transformam um gesto simples e prático numa coisa sensual. De cultura. É inequivoco que todos tentam suprir a passagem do tempo e a perenidade através da criação. O detalhe,  a artificialidade e a delicadeza do gesto são também criações humanas para além do essencial. Além do útil. Para além da natureza e da dor.

faulkner

É hoje que vou lêr faulkner fodasse.

bukowski

Este poema demonstra na perfeição o estilo de charles bukowski: fatalista, cru, certeiro e maravilhosamente bem escrito. A tradução é minha pois não o encontrei em português, mas vale a pena ler este autor no original acreditem.
_alone with everybody
A carne cobre o osso
e colocam uma mente
ali dentro e
às vezes uma alma,
e as mulheres partem
vasos contra as paredes,
os homens bebem
demasiado
e ninguem encontra
aquela pessoa
mas continuam
a procurar
rastejando dentro e fora
de camas.
Carne cobre
o osso e a
carne procura
por mais do que
carne

Não há chance
nenhuma
todos estamos presos
por um destino
singular.

Ninguém encontra nunca
aquela pessoa.

os esgotos enchem
as sucatas enchem
os hospicios enchem
os hospitais enchem
os cemitérios enchem

nada mais
se preenche.

Charles Bukowski

a bolha dos media

a esmagadora maioria dos analistas económicos garantia, um mês antes da crise, a infalibilidade do sistema de mercado auto-regulador e as qualidades criativas dos derivativos financeiros. Hoje em dia, a maioria esmagadora afirma solenemente que aa reais dimensões da crise ainda estão para vir e que o problema ainda agora chegou.

paganismo

no dia 25 celebra-se o nascimento de uma pessoa cujas palavras ninguém está disposto a seguir.