tesouros

se há arqueólogos a escavar é porque há tesouros.
O que quase nunca há é um cartaz explicativo, uma planta do sítio, uma declaração de intenções, um guia interpretativo. Quase nunca há algo ou alguém que elucide quem passa ou quem por lá mora do que é que ali se faz, e porque é que se está ali, a “empatar a obra”, a “abrir mais buracos na estrada”, a “estragar os caboucos dos prédios vizinhos”, a “espatifar o dinheiro da Cambra” a abrir buracos que ninguém percebe para que são, se nem moedas de lá saem, quanto mais barras de prata ou sarcófagos em ouro, só cacos velhos e ossos queimados que uns maluquinhos guardam religiosamente em sacos, como se não tivessem algo mais importante que fazer.

Afinal, para quem escavamos nós?

Escavamos para nós ou para a comunidade na qual nos inserimos - bairro, freguesia, concelho, distrito, país? Escrevemos nós (quando escrevemos) para os nossos pares ou para o público em geral? Para que se faz arqueologia em Portugal e para quem? Será irrelevante esta questão?

Paulo Alexandre Monteiro

Lacrimae rerum

Eneias chega a cartago e encontra pintadas num mural de um templo cenas da destruição de troia, a sua troia e a sua dor ali retratadas.
- sunt lacrimae rerum et mentem mortalia tangunt - diz
Virgílio formula nesse momento uma das mais epitomaticas frases da eneida.

Existem várias traduções e honestamente as melhores são as menos literais, sendo a mais famosa talvez a de robert fagles:
"(Even here), the world is a world of tears, and the burdens of mortality touch the heart"
Aqui em português por luís cerqueira:
"(Estão aqui também)[...] as lágrimas pela sorte dos homens, e a efemeridade da vida impressiona o espírito."

as "lagrimas das coisas", o "tears for things" é a consciencia da condição humana que nos atravessa a todos, a compreensão (empatia?) pela tragédia do outro, que nos alcança enquanto homens também. Reconhecer a miséria, a fatalidade, (a fatalidade da miséria?) presentes em indivíduos ou comunidades que nos são estranhas é uma forma (e testemunho) de comprovarmos a nossa ligação ao género e de nos assumirmos como seres completos, sem complexos.

sábados à noite em casa

Roger Thornhill: The moment I meet an attractive woman, I have to start pretending I have no desire to make love to her.
Eve Kendall: What makes you think you have to conceal it?
Roger Thornhill: She might find the idea objectionable.
Eve Kendall: Then again, she might not.

igrejas enfeitam-se e a faixa esquerda das auto-estradas congestiona.

Os emigrantes são como rudes convivas em sua própria casa./ como pássaros com o peso do esterco nas asas./ atraiçoados pelo sotaque, pelos escapes potentes e pelo calão quando se enervam./ empurram, esbracejam, a urgência de ser notado, de ser/ talvez apenas existam brevemente e não é por mal, é o tempo./ Ao contrário de nós eles apenas têm um mês para serem portugueses./
E assim não é fácil ser-se comedido.
vida, o que é a vida? e acima de tudo a praxis. Como é que se vive? Arranjem-me uma formula perfeita por favor. Será fazer os mesmos erros uma e outra vez numa cadência infinita de vidas, uma sucessão eterna de interrogações? como? como? como? pensa. o meu avô tinha uma vida e há coisas que os homens prezam e também aquilo que nos faz sentir bem. será isso? Olho para as vidas dos outros e não obtenho nenhuma resposta. E sinto a minha própria tão pequena e circunspecta. sem vontade sequer de dizer foda-se para isso enquanto tudo o mais forem simplesmente questões. hoje a paz da incerteza é apenas um copo bem cheio.

rabbits

"What is a country without rabbits and partridges? They are among the most simple and indigenous animal products; ancient and venerable families known to antiquity as to modern times; of the very hue and substance of Nature, nearest allied to leaves and to the ground."- thoreau
uma boa notícia para o meu país, ontem vi duas lebres aqui pertinho de casa. Pensava que já não existiam por estas paragens e foi com estupefacção mútua que vi um casal quieto a olhar para mim. Tão fugazes e palpitantes desapareceram num ápice em pequenos saltos. Frágeis como aquele momento.