epílogos

um vizinho teve a ideia genial de colocar um sapo num pequeno lago que conserva no jardim. talvez para lhe conferir alguma propriedade mais telúrica ou simplesmente para que toda a gente saiba que está ali. É que o sapo passou as últimas semanas num coaxar nocturno e vigoroso. É normal nesta época do ano e num lago a sério os chamamentos individuais sobrepõem-se uns aos outros formando uma música de fundo quase sinfónica. Curiosamente um pequeno espécime apenas parece ter a capacidade de ser bastante mais ruidoso. De nos fazer notar a peculiaridade do som. hoje no entanto estava diferente, urrante, quase gutural. Talvez ele esteja a par do que se está a suceder, talvez o sinta. A primavera terminou e estes dias são a sua última chance. já não mais é um som irritante para ser algo que dá pena como os epílogos das coisas a que nos habituamos mesmo que não gostemos muito delas. Talvez estas coisas são como os dias e tenham um tom e uma intensidade próprias com notas que se repetem. a vida como melodia.

dias

há dias que são assim que resgatam um pouco do sentimento de descoberta e do sabor que as coisas tem quando tudo é novo e tão simples. os trilhos estreitos e todo aquele verde que nos entra pelos olhos os arranhões nas pernas e o fresco da agua o translúcido da agua e ficar a olhar para uma cascata e o rio que serpenteia por entre vales estreitíssimos para onde ele vai tudo ali tem um destino. É mais fácil sentir-nos em paz com o mundo desta forma e eu não sei explicar porquê mas acontece. há dias que são assim e não necessitam de mais nada.

depois

(thomas cole 1838)
depois de subir ao monte mais alto de toda a cercania e ver aquela paisagem maravilhosa lá de cima onde tudo ganha uma inusitada realidade como se estivéssemos mais próximos dos deuses e o vento que nos sopra na face e traz consigo todos os sons como ecos, como lembranças e o silêncio que invade os poros, apropria-se do teu corpo como uma estranha calma e todas aquelas tílias que povoam o topo perfumam o ar inebriando e tudo de repente faz um sentido do qual espreitas o mundo. sabemos que aquele lugar antes daquela capela já foi venerado por tantos outros homens e é como se os sentidos se privassem ao confuso do mundo físico e parece que por um segundo há algo inatingível que nos é facultado compreender e ficamos com vontade de sermos também crentes pelo menos durante uns minutos.

quase perfeito

até consigo entender porque é que existem tantos PIN's projectados para o noroeste alentejano. Porque é que há vontade tanta vontade de construir, de betanizar de troizar de estruturar, no fundo de mudar, uma coisa que está quase perfeita apenas como está. Também por amor. talvez tanto como todos os outros. mas apenas porque a beleza sem utilidade é incompreensível para a grande parte do nosso país.

2

concretizar qualquer coisa seria para ele uma tarefa absolutamente impossível. por isso nem sequer pensava nisso. Bolas! - disse ele. pensei nisso.
Para além do facto de se ter contrariado quase imediatamente, o próprio pensamento era per se uma realização: a consciência da sua incapacidade. Esta tripla humilhação naturalmente deixou-o bastante aborrecido para o resto do dia.